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HOSPITAIS AGONIZAM

DOENÇA TERMINAL

Dívidas com fornecedores, bancos e funcionários com salários atrasados superam R$ 1,2 bilhão. Ainda há cortes nos repasses de verbas estaduais e federais. A realidade da saúde pública no Estado é terminal. A curto e médio prazos, instituições filantrópicas, que atendem a 75% do sistema SUS no RS, tendem a perder 4,6 milhões de procedimentos gratuitos à população

 

Os hospitais gaúchos que dependem de recursos oficiais para sobreviver estão agonizando. A crise nas instituições que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado é como uma doença terminal. Entubadas na UTI, muitas respiram por aparelhos, à espera de uma cura que parece cada vez mais distante.

Presentes em 197 dos 497 municípios gaúchos, os 245 hospitais filantrópicos enfrentam dificuldades sem precedentes. Com dívida total superior a R$ 1,2 bilhão relativa a bancos, fornecedores, tributos, salários e encargos trabalhistas, as instituições estão, uma a uma, tendo de readequar o atendimento a novos padrões orçamentários, em razão da queda dos repasses governamentais.

A partir de agora, a cada renovação de contrato com o SUS, a tendência é de redução no volume de atendimentos pactuado com o Ministério da Saúde. No curto e médio prazos, a consequência será a perda de 4,6 milhões de procedimentos anuais, incluindo internações (46,7 mil), exames (2,8 milhões) e procedimentos ambulatoriais (1,8 milhão). No longo prazo, há o risco de que muitas instituições fechem as portas.

– A agudização do quadro se deu quando este governo (Sartori) cortou o cofinanciamento e disse que nada deve. Aquilo que usávamos para pagar despesas correntes voltou a faltar – diz o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, Francisco Ferrer.

O dirigente refere-se à suspensão do repasse anual de R$ 300 milhões (R$ 25 milhões mensais) para santas casas e hospitais filantrópicos, anunciado pelo governo em janeiro e confirmado na última quarta-feira pelo secretário adjunto da Saúde, Francisco Paz. Além dos valores referentes a 2015, o Estado ainda deve às instituições R$ 132,6 milhões – que correspondem a outubro e novembro de 2014. Para completar, os recursos hoje já insuficientes tendem a ficar ainda mais escassos, com a decisão da União de reduzir o orçamento de 2015 do Ministério da Saúde em R$ 11,77 bilhões.

A crise nos hospitais não é de hoje. Segundo administradores hospitalares e gestores públicos ouvidos por ZH, a criação do SUS, em 1988, determinando a universalização do atendimento sem ampliar proporcionalmente a estrutura de saúde foi o primeiro de uma série de equívocos cometidos ao longo dos anos, uma ferida ainda aberta, que causa a hemorragia de recursos. E, pior do que isso, a precarização dos serviços. A lista de causas para a crise ainda inclui a defasagem na tabela de serviços do SUS, falhas na organização do sistema e a indisponibilidade de médicos em algumas áreas.

No país, os 1.753 hospitais filantrópicos respondem por 54% dos atendimentos via SUS. No Estado, as 245 instituições do gênero atendem a 75% dos pacientes do sistema, o que torna a dependência de recursos oficiais ainda mais dramática.

– O SUS, do ponto de vista teórico, é maravilhoso, mas, na prática, se consubstanciou uma dificuldade tremenda na operacionalização – avalia Ferrer.

CORTES NO ATENDIMENTO APÓS SILÊNCIO OFICIAL

Os efeitos da crise espalham-se em metástases Estado afora. Em abril, os hospitais deram ao Piratini prazo de 30 dias para repassar recursos, sob pena de redução de 15% a 20% nos atendimentos eletivos (quando não há urgência ou emergência). Diante do silêncio oficial, a ameaça foi colocada em prática.

Em Ijuí, o Hospital de Caridade, referência em serviços de alta complexidade para cem cidades, demitiu 10% do seu quadro de 120 funcionários e encerra, nos próximos dias, um novo contrato com o SUS. Em julho, o percentual de 80% de atendimentos gerais pelo sistema cairá para 70% devido à falta de verba do Estado, à defasagem da tabela do SUS e ao não pagamento por serviços prestados em 2014 – cerca de R$ 9 milhões. Com a diminuição da equipe, a estrutura não terá condições de receber a demanda de hoje do SUS para a região – cerca de 35 mil procedimentos mensais.

– Não vemos luz no fim do túnel. Não temos a solução interna. Dependemos da sensibilidade dos governos. Imagina um colapso? Não podemos esperar isso acontecer – alerta João Leone de Senna, diretor-executivo do hospital.
* Colaborou Humberto Trezzi

Fonte: ZH