“Os sindicatos formam a espinha dorsal da democracia”, afirmou o Catedrático de Direito do Trabalho da Universidade de Castilla-La Mancha, na Espanha, Antonio Baylos Grau, durante o painel “Sindicato, Estado e Sociedade.” A atividade foi realizada na noite desta segunda-feira (5), no Plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), em Porto Alegre.
No Plenário, com a presença do diretor de Imprensa e Comunicação da FEESSERS, Emerson Pacheco, do ex-presidente do SINDISAÚDE RS, Gilmar França, e de outros trabalhadores da saúde, ao iniciar o painel, o espanhol se definiu como “um jurista comprometido com a democracia e que vê no direito uma maneira de lutar”. Para ele, o trabalho tem valor político e os sindicatos representam esse trabalho com valor político.
Com um resgate histórico, Antonio explicou que, numa “economia capitalista com política liberal e onde burguesia é a classe dominante, os trabalhadores foram colocados numa condição de subalternos”.
De acordo com ele, neste retrato de sociedade, o setor público e o coletivo e estão atuando. O estado, vetor público, controla o mercado através do poder privado com a remercantilização das necessidades e com as privatizações, que são uma tendência mundial. “Já o coletivo é representando pelos sindicatos, que, por sua vez, representam a classe social e têm autonomia como expressão de poder de um grupo”, explicou.
“O sindicato intermedeia, tenta compensar a desigualdade gerada pela economia liberal, representa o trabalho como dignidade humana de quem produz a riqueza”, disse, acrescentando que nos bons sindicatos há “um forte impulso de reforma dos marcos sociais e mecanismos de distribuição de rendas. Além de serem um espaço de mediação de interesses, importante pra cidadania”.
Desafios
Segundo o jurista, um dos maiores desafios do sindicalismo nos dias de hoje é a representatividade. “Como resolver essa complexidade de representar todos os trabalhadores?”, indagou. “E quem está nestes espaços, quer ter sua identidade reconhecida ali, por isso, os coletivos específicos de juventude, mulheres, imigrantes”, completou Antonio.
A comunicação foi outro aspecto abordado pelo jurista, que defendeu a importância dos trabalhadores representados terem voz nos sindicatos. “Precisamos atentar para os canais de comunicação de baixo para cima e vice versa. Muitas vezes, a via de baixo para cima sofre interferência, pois no meio há a comunicação do poder econômico, empresas onde os associados trabalham”, salientou.
As mudanças no mercado de trabalho, o trabalho autônomo e o aumento da terceirização também geram dificuldades na representação sindical. “No mundo todo, o contexto é grave, as políticas econômicas são de austeridade. Todos já conhecemos o discurso que os ajustes são feitos para enfrentar a situação de exceção e desenvolver a economia”, afirmou.
“Já nós pensamos que as crises exigem ações, que não atacam os direitos dos trabalhadores, não só no âmbito do trabalho, mas social”, sublinhou. Ele lembrou que é importante destacar como a crise foi conduzida na Europa. “A Espanha tem o nível mais alto de desemprego na Europa e a situação continua desastrosa desde 2010.”
“Pensávamos que estávamos seguros com a Constituição e as cartas de direitos, mas nas crises do capitalismo até isso é questionado”, declarou. O jurista encerrou sua participação ressaltando que, neste momento, a comunicação é muito importante.
“Precisamos saber o que acontece em cada país. As medidas de degradação dos direitos são parecidas em todo o mundo e precisamos dar uma reposta global a isso”, concluiu.
Constituição Cidadã
Após, o desembargador do TRT4, José Felipe Ledur, recordou a importância do novo sindicalismo na redemocratização do Brasil, na década de 1980 e na promulgação do Constituição Cidadã, em 1988.
“Com itens como dignidade humana, valor do trabalho, pluralismo político, não há dúvida de que a opção do Brasil, quanto nação, foi pelo estado social”, disse. Para ele, a Constituição é um “instrumento de grande importância para juristas e sindicalistas atuarem de maneira mais qualificada, ainda mais na conjuntura atual”, frisou.
O desembargador acredita que os sindicatos atuam para diminuir as desigualdades e que não devem ser restritos aos sócios. “É necessário pensar nos desempregados, nos excluídos, lutar por direitos sociais como um todo. Por isso, é fundamental as entidades trabalharem na formação da vontade política”, defendeu.
José Felipe ressaltou também a importância da unidade dos trabalhadores e do sindicalismo frente às “tarefas hercúleas que estão postas para os sindicatos diante dos ataques à Consolidação das Leis do Trabalho”.
Limites do sindicalismo
Já o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Curaldo Fleury, comparou o modelo de sindicalismo na Espanha e no Brasil. “Aqui, eu não sou obrigada a me filiar, mas se me filiar tem que ser naquela determinada entidade. Não há liberdade”, criticou.
Ele ponderou que as diversidades do país se refletem no sindicalismo, pois há entidades fortes e combatentes, com legitimidade para representar os trabalhadores. “Mas existe também o oposto disso, sindicatos bancados pelos patrões”, disse classificando isso como “feridas que os sindicatos precisam encarar”. O procurador avalia que isso explica a crise de confiança no movimento sindical.
Ronaldo também manifestou contrariedade às propostas de reforma trabalhista, que classificou como uma “falácia”, especialmente a terceirização sem limites. “Podemos ter uma metalúrgica sem metalúrgicos, uma escola sem professores”, exemplificou, relatando que em todas as apreensões de trabalho análogo à escravidão, realizadas pelo MPT, há trabalhadores terceirizados.
De acordo com o procurador, a terceirização vai contra até o fundamento base do capitalismo, de capital e trabalho. “Pois não teremos mais o trabalho e sim, capital e serviço”. Ronaldo encerou afirmando que, caso seja aprovado o projeto da terceirização sem limites, “irá causar uma crise sem precedentes na representatividade sindical.”
Golpe nos trabalhadores
O último debatedor foi o ex-presidente da CUT e atual presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), João Antônio Felício. Já de início, ele afirmou que sindicato não pode representar o trabalhador apenas na campanha salarial. “Tem que ter uma atuação ilimitada na luta por justiça”, declarou.
“O governo interino já anunciou que pretende fazer reforma trabalhista e previdenciária. Há um discurso que irá modernizar as relações, mas sabemos que isso não é verdade. Por isso, a CUT tem o direito de dizer Fora Temer, pois os interesses do governo se chocam com interesses de uma classe”, denunciou João Felício.
Para o dirigente, um exemplo de modernização foi a PEC das Domésticas. “Regularizamos a situação dessas trabalhadoras que até então não era regulamentada. Isso sim é modernização, já o negociado sobre o legislado é um assalto”, definiu.
Sobre a negociação livre, João Felício afirmou que é muito fácil falar como se o Brasil fosse uma Noruega. “Não é, aqui direito tem que ser lei porque senão passa a ser negociado. Por isso, a CUT jamais vai abrir mão da CLT”.
“Não ha dúvida de que, por trás da modernização e flexibilização, há a intenção de fragilizar os sindicatos”, apontou. Ainda de acordo com ele, quando falam em “tornar o país mais competitivo é só para aumentar o lucro dos empresários”, disse.
Para o dirigente, por mais problemas que o sindicalismo brasileiro tenha, ele consegue ser bom. “Aqui o patrão, gostando ou não, tem que sentar, uma vez por ano com o sindicato para discutir a convenção coletiva. Nos Estados Unidos, 92% das categorias não tem negociação, pois não há sindicatos”, contou.
Ao finalizar, João Felício denunciou o golpe mais uma vez: “o golpe foi dado por uma quadrilha para implementar um novo projeto e retirar os nossos direitos”.
A atividade foi coordenada pela presidente do TRT4, Beatriz Renck. O painel foi promovido pela CUT-RS, através do Coletivo Jurídico, com a Escola Judicial do TRT4 e o Ministério Público do Trabalho, com o apoio do TRT4, UFRGS, PUCRS, Unisinos, Feevale, Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas e Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas do Estado no Rio Grande do Sul.
Fonte: Renata Machado – CUT-RS