por Dom Dadeus Grings
A população brasileira assiste, atônita, ao jogo de queda de braço entre o governo brasileiro e a categoria dos médicos. Todos estão fartos de saber, por experiência, que a administração da saúde no Brasil não funciona. A classe médica diz que há médicos sobrando, ao passo que a população, com justa razão, reclama de sua falta, à qual o governo procurar responder com projeto de “importação” desses especialistas e com outras medidas que coíbam o egoísmo dos especialistas no ramo.
Os médicos acusam o governo de ausência de uma política efetiva em prol da saúde, enquanto procuram reforçar seus próprios interesses econômicos, ao passo que os políticos reclamam da insensibilidade dos médicos, frente não só ao bem comum, mas, principalmente, em relação aos pobres. Exigem, além de dispositivos altamente sofisticados, altíssimos salários, sem cumprir os horários estipulados e pagos. O governo não consegue preencher as vagas nos postos de saúde das periferias e do Interior do País, por mesquinhez dos médicos, que não estão interessados em socorrer onde não encontrem resultados avantajados.
O problema básico está no descumprimento do princípio de subsidiariedade. Não se começa no básico, para, eventualmente, subir ao mais complicado. Corre-se para a especialização e para os métodos mais sofisticados, quando, na verdade, faltam os cuidados mais elementares. A ambulancioterapia é seu sinal característico. Em vez de atender no Interior, levam-se os pacientes para a capital, entupindo o atendimento.
Muito bem observou um ex-ministro da saúde: faltam, no Brasil, médicos gerais. As escolas não mais formam pessoas para uma clínica-geral, como porta de entrada da medicina. Temos sofisticadíssimos meios e aparelhos para uma proporção cada vez menor de doenças. Nelas se investe muito, deixando as doenças gerais, que atingem a grande maioria da população, desamparadas.
O incrível é que os médicos não mais sintam, como antigamente, a devida compaixão pelo povo, entrincheirando-se na sua especialização, reivindicando altíssimos salários. Tornam, assim, a medicina inacessível ao grande público. Reclamam do governo por falta de condições, quando, na verdade, não se esmeram em melhorar seu próprio campo de atividade, no sentido de torná-lo mais acessível e simples.
Infelizmente, a classe médica – com muitas e honrosas exceções – fechou-se em sua especialização. Tende a impedir não só uma eventual concorrência, como também qualquer método, especialmente os naturais e mais simples, que não afinem por seu diapasão. Dão culpa ao governo por não lhes proporcionar os requintes que exigem, mas não fazem nada para tornar a profissão mais próxima e acessível aos pobres. Chegam ao inacreditável de impedir não só a abertura de nossos cursos, de medicinas alternativas, como até a “importação” de médicos, onde se sente a falta deles. Só quem tem um bom plano de saúde tem como ser atendido quando acometido por alguma doença.
O incrível nesta disputa entre políticos – que procuram promover o bem comum, providenciando médicos para a população – e a classe médica – que diz que há médicos sobrando, sem se importar com a situação dos pobres – é que a população sofre, como o marisco jogado entre as ondas e as rochas. Só no momento em que os médicos reconhecerem, com humildade, sua falta de sensibilidade para com a saúde pública, e os políticos conseguirem real diálogo com os médicos, poderemos esperar por dias melhores para a saúde pública. Precisamos mais de médicos gerais e talvez menos de especialistas.
Fonte: Jornal do Comércio , 19/09/2013